Canção do Exílio
Eduardo Dall’Alba
Minha terra tem parreiras
Onde canta o sabiá
Tem trabalho dos mais simples
Que não encontro por cá
Em cismar comigo a noite
Menor parazer eu encontro
Minha terra tem parreiras
Onde é difícil cantar
Minha terra tem parrreias
E colonos à deriva
E uma crise, das fortes
Que colonos algum se esquiva.
O metal da minha terra
Me ofusca a vista,
Foi uma terra fria e dura
E de difícil conquista
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá
Minha terra tem parreiras,
Onde é difícil cantar
Filó uma experiência de paraíso
Frei Rovílio Costa
Nas noite longas de inverno
fiavas vida e sustento:
pungir de um Vêneto eterno
no canto fundo do vento!
(Itálico Marcon, Porto alegre, amanhecer de 26/07/1971)
O
contadino (agricultor), durante os meses de inverno, tinha que permanecer em
casa, pois não havia condições de trabalhar na lavoura. Se não houvesse um trabalho doméstico, a vida se
desenrolaria num constante e, por vezes monótono filó. As mulheres tinham o
tempo ocupado em preparar refeições, costurar bordar, tricotar, fiar. Os homens
também fiavam. A ordenha, para quem tinha vacas leiteiras, o fabrico do queijo,
manteiga, requeijão era outra atividade envolvente. Mas a maior pare do tempo
era livre. Surgiram, assim, os famosos contadores de histórias, especialmente
às crianças para entretê-las. Uma atividade das mães era ensinar os filhos
pequenos a decorar o catecismo e muitas orações ensinadas pelos mais velhos e
que passaram de geração em geração.
A
palavra filó significa, na Itália, o conjunto de trabalhos manuais que podiam
ser executados em casa, no período de inverno. Uma boa atividade era o encontro
entre vizinhos. Uma família visitava outra e vice-versa.
Para
quem não tivesse o aconchego dos animais, na estrebaria, anexa à casa, o
aquecimento doméstico tinha que ser
feito à base de lenha.
Impossível
seria enfrentar o inverno rigoroso, de muits graus abaixo de zero, sem o
aquecimento pelo fogo doméstico.
Mas
escassa era a lenha e hoje ainda o é nas
pequenas borgatas onde ainda não chegou o aquecimento domiciliar. Que fazem,
hoje, nessas localidades, as pessoas idosas, os aposentados que ficam em casa sem o que fazer? Para economizar lenha, costumavam reunir-se
anciões de duas ou três famílias, um dia nesta outro dia naquela casa, até o
anoitecer, para assim, queimar lenha numa só casa. À noite, retornando, acendem
o fogo para preparar os alimentos e aquecer o ambiente. Em La Valle Agordina
“Belluno” em 1984, visitamos um grupo de anciãos de três diferentes famílias,
reunidos numa mesma casa, ao redor do fogo, num rigoroso inverno janeiro. As
mulheres faziam diferentes costuras e os homens se ocupavam contando histórias.
Em
nossas colônias não tivemos problemas do frio. Mas o filó passou a ser uma
tradição ou uma atividade da noite, ou do anoitecer. Depois de escurecer não dá
para trabalhar na lavoura, sentão prepara-se a comida, fica-se conversando,
rememora-se o dia passado, os pais aproveitam para uma conversa pedagógica com
os filhos e a harmonia se torna completa quando, finda a janta, todos, de
joelhos, desfiam as contas do rosário, rezando o terço, agradecendo a Deus pela
vida, saúde, colheitas, pedindo a libertação das inteperies e pragas e rezando
pelos doentes, pelos falecidos...
Na
colônia, quando se determinava fazer filó em alguma família, juntava-se em
casa, procurando chegar umas duas horas antes do horário dessa família ir
dormir. Tinha-se o cuidado de chegar na família depois que já tivesse jantado.
Aí se ajudava a lavar a louça, se o estivessem fazendo, senão se rezava juntos
o terço, se o estiva alguém doente, era costume estivessem rezando. E seguia-se
o filó...
Se
houvesse alguém doente, era costume visitar também no horário do filó, mais com
visita mais breve e com outro ritual. Chegava-se, visitava-se o doente,
ficava-se em filó com os familiares em tempo mais breve. Ao final, se o doente
não estivesse dormindo, fazia-se a despedida. O filó era com os familiares,
sempre da maneia que não perturbasse o repouso do doente.
Quando,
porém, alguém estava em estado grave de saúde, que demandava a presença de
alguém, noite e dia, aí estavam os vizinhos, em rodízio, sobretudo à noite,
para auxiliar nesses momentos difíceis.
O filó
era, pois, um momento de harmonia da família com sigo mesma, da família com
Deus através da oração, e da família com os vizinhos através de encontros
periódicos, ditados pelo bom-senso e pelo nível de amizade entre famílias de
costume e tradições próprias. Hoje ainda, festeiros de capelas, presidentes ou
distribuir encargos entre associações, quando precisam combinar atividades ou
distribuir encargos entre associados, vão fazer filó à noite, e passam a limpo
a situação da entidade ou instituição que dirigem.
Os filós
eram momentos privilegiados para a crianças que podiam encontrar-se e
brincar juntas; para os jovens que se
instruíam pela conversa dos adultos e também tinham oportunidade de encontro
com o bem-amado ou bem-amada; e com os adultos que descorriam sobre as culturas,
preços, negócios, a troca de sementes o empréstimo de animais reprodutores,
troca de jornadas em tarefas especiais, a necessidade de auxiliar alguma
família que necessitava de mão-de-obra, por ter alguém doente. Enfim, o filó
era, acima de tudo, uma grande escola de valores humanos e cristãos, de
educação para sociabilidade e cidadania.
A dureza
de um dia de trabalho não terminava na subjugação pelo cansaço, mas na harmonia
do encontro. Famílias que não se visitassem em filós, eram famílias mal
relacionadas.
O filó
era também oportunidade de convidar os vizinhos, por ocasião da safra de
pinhão, batata, amendoim, laranjas, nêsperas, pêras... Oportunidade em que se
aproveitava o bom vinho caseiro. A sensibilidade sugeria que se convidadesse os
vizinhos que não haviam produzido tal e qual produto para compartilhar com
eles.
As
épocas de safras, eram oportunidades para convidar os amigos ao filó. Ao tempo
da uva, convidava-se alguém que ainda não tinha parreiral, para comer uva e
beber o vinho doce. O amendoim, o pinhão, a batata, os crostóli, o vinho, a
graspa, o café, as bolachas caseiras, eram comes e bebes corriqueiros nos
filós.
Poder-se-ia
citar muitos elementos do filó. Mas, o mais importante é aquele filó não
esporádico, mas que acontecia todas as noites na casa de cada colono. O
encontro da família, preparando-se para a janta, jantando, lavando a louça,
fazendo trança, dobrando palha de milho para cigarros, limpando a casa... em
meio a uma conversa panorâmica do dia vivido. A família transformava-se em
antecâmara do paraíso quando, no final de tudo, jovens, velhos e crianças se
ajoelhavam e rezavam conforme o costume de cada família. Crianças adormeciam
sobre os bancos e tinham que ser levados à cama no colo, jovens também pegavam
no sono e vinha um sacudão dos pais para acordá-los e reagir ao sono porque
precisavam rezar. Ia-se à cama abençoado por Deus, com a esperança de levantar
disposto e feliz para um novo dia de trabalho que terminaria com um novo dia de
paraíso, com a mesma oração noturna, mas cada dia com motivações e intenções
diferentes.
O
trabalho era o sinal do progresso, os frutos do trabalho eram sinal da bênção
de Deus. Mas a refeição com todos juntos, com alegria e saúde era sinal da
vida, da saúde e do amor entre pais e filhos, e a oração era o grande sinal do
paraíso. O filó era, pois, a grande síntese da vida do homem em família, em
vizinhança e em relação com Deus.
Bibliografia:
Nós os Itálicos
Gaúchos: Mário Maestri..,{et al.} . – Porto Alegre, Ed Universidade /UFRGS.
1996.